Como Pep se tornou Guardiola - PARTE 4
ALEXANDRE GONZALEZ
TRADUÇÃO SOPHIE BERNARD
ILUSTRAÇÃO MARCELO COMPARINI
ILUSTRAÇÃO MARCELO COMPARINI
EREMITA
Maximo Paz, província de Santa Fe. Josep Guardiola
marcou um encontro com o eremita do futebol argentino, “el loco” Marcelo
Bielsa. Então afastado do futebol desde 2004, Bielsa vivia confinado em casa,
sem dar sinais de vida.
Guardiola conseguiu o encontro graças a Lorenzo
Buenaventura, seu treinador pessoal quando jogava na Itália e ex-adjunto de
Luis Bonini, o braço direito de Bielsa. Hoje, Buenaventura é o preparador
físico do Barcelona. A fascinação de Guardiola por Bielsa data da Copa do Mundo
asiática de 2002, quando “el loco” treinava a seleção argentina.
Na época, Guardiola declarou: “Para mim, o time
mais interessante do torneio é a Argentina, mesmo que não tenha passado da
primeira fase. Jogou muito bem, apesar de vivermos num mundo onde, se você
ganha, é bom, mesmo que não tenha ficado com a bola; e, se você perde, não
importa se tentou, se teve a bola, se o time estava organizado e se tinha
apostado no 3-4-3, como Bielsa fez. Você perde e é um fiasco. Vejo isso de
outra forma.”
Por 12 horas, em volta de um “asado” (churrasco
argentino), os dois conversaram, assistiram a trechos de jogos, debateram,
brigaram, se reconciliaram e recomeçaram. Um tema, ou melhor, um homem os une
acima de tudo: Louis van Gaal.
O técnico holandês é o único europeu que Bielsa já
tomou como exemplo: “O modelo estrangeiro que mais me agrada é o do Ajax de Van
Gaal. Ele tem um time flexível para compor suas linhas conforme as exigências
do adversário na hora de recuperar a bola. O que interessa é que o time tenha
um projeto de jogo próprio nos momentos ofensivos. Calculei que o Ajax dava uma
média de 37 passes para trás. O torcedor via isso como recusa a jogar, mas esse
passe para trás era o início de um novo ataque.”
No seu livro “Mi Gente, Mi Fútbol” (2001),
Guardiola diz o mesmo de seu treinador: “Poucos times me seduziram tanto quanto
o do Ajax de Van Gaal, com sua facilidade para criar o jogo da defesa, a
velocidade dos jogadores das laterais e seu modo de passar a bola. Aquele Ajax
conseguia resolver de maneira fantástica todos os ‘um contra um’ de um jogo. No
ataque e na defesa. Assumiam todos os riscos que um time pode correr.
“Aquele Ajax tinha algo que me surpreendia,
espantava, maravilhava. A disciplina do posicionamento. A posse de bola como
ideia de base. O jogo constantemente sustentado. Os movimentos de dois toques…
E eles faziam isso de forma tão simples quanto sublime. O Ajax de Van Gaal dava
aulas de futebol aos que conheciam perfeitamente o jogo.”
‘SANGUE’
Nutrido pelo futebol total de Johan Cruyff,
Guardiola consegue, acima de tudo, aplicar maravilhosamente bem os preceitos de
Bielsa. “Procuro ocupar as laterais, porque a maioria das situações perigosas
vem delas. O contrário significa centralizar o jogo. Qualquer estudo revela que
50% dos gols finalizados vêm das laterais. Se um treinador quer que o time
domine o jogo, deve posicionar no mínimo dois jogadores por setor. Nunca
posiciono os jogadores com o intuito de atacar usando o contra-ataque.
“Para mim, trata-se, antes de mais nada, de uma questão
de posse de bola. Se der para ficar com ela, por que devolvê-la? Não preparo um
time para esperar. Um grande time não é condicionado pelo rival. O fundamental
é ocupar direito o campo, ter um time curto, com uma linha de defesa e uma de
ataque separadas por no máximo 25 metros, e que nenhum zagueiro esteja ocupado
marcando um adversário que não existe.”
Tocado pela sinceridade quase ingênua de Guardiola,
Bielsa perguntou: “Você, que conhece toda a sujeira do mundo do futebol, o alto
grau de desonestidade de certas pessoas, por que quer tanto voltar e treinar
jogadores? Gosta tanto desse sangue?”. Guardiola respondeu: “Preciso desse
sangue”.
O fato é que o catalão vai usar outro método de
Bielsa, o de não entregar nada à imprensa. Recluso no seu silêncio há mais de
uma década, o argentino havia justificado assim sua vontade de não falar: “Por
que eu deveria dar entrevista a um jornalista poderoso e negá-la a um repórter
do interior? Por que deveria participar de um programa que tem picos de
audiência toda vez que apareço e não me deslocar até uma pequeno rádio local?
Qual a lógica? Meu interesse?”.
Guardiola se apoderou da fórmula. Depois de virar
treinador do Barça, não deu mais nenhuma entrevista individual. Só vai às
coletivas obrigatórias do clube.
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