A história tática do dia que
enfrentei o FC Barcelona
texto do professor Dr. Rodrigo Azevedo Leitão publicado originalmente na Universidade do Futebol (Janeiro/2011)
Confira detalhes sobre estruturação
do espaço no campo de jogo contra a equipe sub-17 do clube catalão
Faz
algumas semanas, escrevi um texto sobre com vencer a equipe do FC Barcelona.
Alguns
dias depois tive oportunidade de ficar sete dias em contato com a comissão
técnica da equipe sub-17 catalã. Muitas informações importantes foram colhidas
e trocadas.
O
mais interessante, no entanto, veio ao final desses sete dias (em um sábado).
Em decorrência do chaveamento do torneio que participava com minha equipe
juvenil, enfrentaria justamente o FC Barcelona.
No
dia anterior ao jogo recebi alguns e-mails lembrando-me do texto que havia
publicado sobre como vencer o time espanhol – e que não poderia haver outro resultado
(para manutenção da minha credibilidade) que não fosse minha vitória.
Obviamente
que quando escrevi o texto, me referia ao primeiro time do FC Barcelona.
Porém,
em função do processo de formação de atletas e equipes da “máquina” catalã
(muito bem estruturado, vale salientar), desde cedo, o Modelo de Jogo dos profissionais é trabalhado e
desenvolvido nas categorias de base, buscando constantemente ajustes que levem
o processo para a excelência.
Então,
não haveria desculpas plausíveis. Era a vitória ou “nada”.
Pois
bem, jogamos e minha equipe venceu por 4 a 0 (e ainda teve o quinto gol anulado
no final do jogo). Isso faz quase um mês, e desde então venho recebendo
mensagens de leitores pedindo para contar a “história tática” do jogo. Como ela
é muito longa, resolvi, contar um pequeno pedaço (pedaço fractal) dela.
Vou
falar um pouco de algumas pequenas questões referentes a estruturação do espaço
de jogo. Como já mencionei outrora, o FC Barcelona tem algumas características
muito presentes em sua identidade.
Em
primeiro lugar, ocupam o espaço horizontal do campo com muita amplitude, tanto na linha de defesa, quanto na linha do ataque
(e pelo número de jogadores que tem na linha do meio-campo – três – também
neste setor).
A
grande amplitude, com uma geometria de 1-4-3-3 bem definida, cria para a equipe
espanhola um bom número de apoios e gera uma dificuldade muito grande para o
adversário pressionar a bola.
Em
segundo lugar, com princípios operacionais bem estabelecidos para atacar,
defender e fazer as transições, retomar a bola com rapidez e chegar rapidamente
ao gol catalão deveria ser uma obrigação de sobrevivência por parte da minha
equipe.
A
equipe do FC Barcelona, conhecida pelo jogo apoiado de passes rápidos e curtos
raramente dá chutões. Isso acontece, em grande parte pelos motivos que já
mencionei, somados ao fato de que o seu jogo se desenvolve especialmente a
partir de seu volante (que participa da primeira fase da armação das jogadas) e
dos seus laterais (que assumem o papel de armação quando o setor do seu volante
está congestionado) – todos com grande qualidade para passar a bola em
progressão.
Jogando
em um 1-4-4-2 com um losango bem desenhado no meio-campo, problemas poderiam
surgir, pois com a amplitude do FC Barcelona, poderia ser difícil pressionar os
laterais e o volante ao mesmo tempo, e assim recuperar a posse da bola e
impedir a progressão do jogo do time espanhol.
Então,
um pequeno ajuste estrutural precisou ser feito no meio-campo da minha equipe
para garantir melhor ocupação horizontal (equilíbrio) quando estávamos sem a
bola, e pudesse, sem alterações significativas, permitir pressionar os
laterais.
Os
laterais do FC Barcelona apesar do bom domínio de bola, boa movimentação e bom
passe, no “1 contra 1” ofensivo apresentavam certa dificuldade (não era
habitual que eles tentassem o drible). Então, para a pressão nestes jogadores
não era necessário mais do que um jogador da minha equipe.
Já
para pressionar o volante (que além de bom armador, apresentava bom controle de
bola e bom drible), era necessário que a pressão acontecesse com um número
maior de jogadores.
Os
atacantes do time espanhol que jogavam pelas “pontas” eram muito velozes e bons
dribladores – de maneira que não poderiam receber a bola de frente para a meta
defensiva da minha equipe a partir da “linha 4” (da minha defesa).
Os
zagueiros do FC Barcelona, não habituados aos chutões, não recebiam pressão
espacial ou temporal, já que o comportamento recorrente de cada um deles era o
de buscar o passe ao volante ou aos laterais. Então, quando estavam com a bola,
direcionávamos o passe para os laterais, para então tentar recuperá-la.
O
que minha equipe buscava, então, na verdade, era uma rápida recuperação
relativa da posse da bola. Isso significa que no ataque a bola era veloz e
“voraz”, mas a partir de um gatilho específico, previamente combinado.
Em
outras palavras, a pressão sobre a bola não ocorria em qualquer região do campo
e sobre qualquer jogador. A pressão sobre a bola era meticulosamente planejada,
para que o ataque a ela, quando do seu início, fosse muito veloz e eficaz.
Após
a recuperação da posse da bola, a ocupação rápida de regiões específicas do
campo de ataque permitia situações de igualdade e vantagem numérica que
propiciavam, para meus jogadores, diversas e perigosas chegadas ao gol.
Claro,
muitas coisas que envolveram os princípios operacionais e as regras de ação do
jogo também tiveram peso fractal muito importante para o bom desempenho da
equipe.
Como
disse anteriormente, resolvi, neste texto, dar uma pequena detalhada em apenas
uma das questões que envolveram a estruturação do espaço no campo de jogo. No
final das contas, se minha equipe tivesse perdido o jogo, talvez, eu, tivesse
perdido também um bom número de leitores.
Mas
aqui é bom que se diga, que se a derrota tivesse vindo, não deveria
desvalorizar os apontamentos que fiz quando escrevi o texto sobre como vencer o
FC Barcelona.
No
entanto, já que o futebol é assim, e aí está um pouco da sua magia, vale
resgatar uma frase que gosto muito: “bem feito, é melhor do que bem explicado”.
Um
“viva” aos meus jogadores.
É
isso.
*a reprodução do texto só está autorizada legalmente, se mencionados nome do autor e fonte virtual.
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