Chelsea
vs Barcelona, o 2º confronto: a beleza do jogo, a ingenuidade de Nuno Amieiro e
a minha.
texto do professor Dr. Rodrigo Azevedo Leitão publicado originalmente na Universidade do Futebol (Maio/2009)
O futebol é Arte e
Ciência. Uma Arte que, abstrata, é bela de maneira diferente a cada olhar que a
penetra. Uma Ciência que não é exata, porque nem toda Ciência é exata – e nem
por isso deixa de ser Ciência.
Como diria o professor
Alcides Scaglia (aqui espero não ser traído pela minha memória para poder ser
exato e fiel a sua fala) para apreciar o futebol de hoje não podemos observá-lo
com os mesmos olhos e pressupostos de ontem; para entender sua beleza
precisamos avançar a novos paradigmas.
Olhar o jogo de futebol
como fenômeno complexo não é trivial. Insistentemente grandes partidas e circunstâncias
do jogo são analisadas sob a perspectiva dos óculos do ontem, que contribuem
muito pouco para o entendimento da complexidade do jogo do hoje.
Para avançar a essa
discussão e compartilhar um pensamento, aqui nesse ponto, passarei a falar do
segundo jogo entre as equipes do Chelsea FC e do FC Barcelona, válido por uma
das semi-finais da UEFA Champions League 08/09 (dando sequência então a uma
idéia que iniciei no texto anterior a esse).
Antes, lembro que a
primeira partida entre as duas equipes (na Espanha – e que terminou em zero a
zero) foi motivo para diversas ondas de comentários. Algumas criticando o
comportamento tático da equipe inglesa, desenhando-o como covarde, feio, o
anti-futebol.
Jorge Valdano expôs o
seguinte no jornal “A Bola” (de 2 de maio):
“Foi surpreendente a quantidade de opiniões
favoráveis que teve a estratégia do Chelsea: com perseguições individuais,
centrocampistas de grandíssimo nível que não pisaram a área contrária,
interrupções frequentes para interromper o ritmo do Barcelona... O negócio
saiu-lhes redondo porque encontraram o 0-0 que procuravam. Só por isso, para
certa crítica, já obtiveram a patente de equipa inteligente. O que me parece
incrível é a pouca generosidade que temos para com as equipas que assumem o
risco, o jogo, futebol grande. Só ganham o elogio quando ganham o jogo. Ao
invés, os espectadores aplaudem os empates ainda que seja à custa de varrer
o espetáculo”.
O futebol é surpreendente
e ainda que possa passar desapercebido, talvez seja esse o aspecto do jogo que
faça brotar nas pessoas, dos apaixonados aos especialistas, discursos em
diferentes direções ao se referirem a um mesmo jogo.
Além do abismo sempre
presente entre a interpretação de uma partida de futebol aos óculos dos
especialistas comparada aos óculos do senso comum, há ainda uma inadvertida
distância (muitas vezes tão grande quanto a anterior) entre o que passa pelas
lentes daqueles que observam o jogo e descarregam seus argumentos amparados
pelo discurso científico.
Mesmo pautadas na
complexidade do jogo, muitas observações acabam por, sem perceber, promover
análises simplificadas de fenômenos “não-simples”,
em uma dimensão que por não ser compreendida por alguns nichos se mascara como
uma visão complexa (pseudo-complexa !) do jogo.
Ainda sobre o 1º jogo
entre o FC Barcelona e o FC Chelsea, Nuno Amieiro (um dos autores do livro
Porque tantas vitórias – sobre o trabalho de José Mourinho) faz as seguintes
colocações em seu blog:
“Para mim, o lado táctico tem a ver com o
jogo todo e, nessa medida, o primeiro elogio a ser feito teria de ser dirigido
à equipa de Guardiola. Para mim, falar de táctica é falar de intenções e de
interações e, neste sentido, o jogar do Barça mostrou (e tem vindo a mostrar,
por vezes de forma excepcional) maior riqueza e complexidade táctica. Foi, por
isso, aos meus olhos, muito mais táctico do que o do Chelsea. Basta ver o modo
como a equipa responde, perto e longe da bola, à progressão com bola de Piqué
pelo corredor central. Ou o modo como ocupa o espaço a atacar e faz a bola
circular. Ou o modo como «acampa» no último terço e mete a bola a correr, rente
à relva, na procura do espaço e do momento certo para tentar finalizar. Ou o
modo como recusa cair na tentação do pontapé longo ou do cruzamento cego para
dentro do «aquário». Ou o modo como responde à perda da posse de bola e, desse
modo, poucas vezes é obrigado a «desmontar as tendas». Tudo isto revela
critérios. Tudo isto é construção (táctica) do treinador.
Por isso, sim. Também acho que o
Barcelona-Chelsea foi um jogo muito táctico. Mas, sobretudo, pelo que nos
mostrou o Barça. Sabem como jogou? Então sabem do que falo, sabem o que é a
Táctica para mim. Ela é o fio invisível que faz emergir aquilo que reconhecemos
como traços marcantes do jogar de uma equipa”.
A riqueza de um jogo está
na interação complexa entre as referências que tornam o jogar resposta eficaz
para o cumprimento da lógica do jogo.
Ainda que algumas vezes em
aparência treinadores e equipes adotem estratégias para cumprir objetivos
intermediários, que estão menos próximos da lógica do jogo e mais íntimos de
evitar o seu cumprimento por parte do adversário, não podemos perder de vista
jamais que a busca de uma equipe é pelo jogar bem, e que isso não garante
necessariamente a vitória.
É claro que a falta de
clareza sobre o cumprimento da lógica do jogo leva jogadores e equipes ao
“jogar bem estratégico” e não a um “jogar bem superior”, em que os méritos pelo
desempenho estão no alcançar metas menores dentro do jogo e não no cumprimento
de sua lógica.
Pois bem. Cheguemos ao 2º
jogo entre as equipes do Chelsea FC e do FC Barcelona, agora na Inglaterra.
A equipe Londrina
controlou boa parte do jogo (como no 1º jogo, ainda que divirjam alguns
especialistas). Um controle sem bola que deu permissão ao FC Barcelona a ter um
comportamento típico, mas em regiões não típicas ao seu “habitue” no campo de
jogo. Em outras palavras a equipe espanhola manteve a posse de bola,
circulando-a de uma lado ao outro, mas sem se aproximar de seu “alvo” ofensivo.
O Chelsea por sua vez
apostou em transições ofensivas rápidas, com jogo vertical alongado, abrindo
mão da posse da bola. Mas diferente do jogo anterior a equipe inglesa teve mais
êxito na progressão em direção ao campo ofensivo nas jogadas agudas de
contra-ataque (especialmente por ter conseguido recuperar mais bolas em regiões
mais adiantadas do que no 1º jogo e por ter atacado efetivamente com um número
maior de jogadores).
Vejamos alguns números do
jogo:
Os padrões se aproximam
bastante dos do 1º jogo em Barcelona. As mudanças de uma partida para outra
estão principalmente nas referências de ocupação de espaço (bem como sua
estruturação) utilizadas especialmente pela equipe do Chelsea FC, e pela
mudança de comportamento operacional da equipe espanhola – contrária a seu
comportamento habitual – nos minutos finais do jogo (e que ainda que para muitos
tenha ganhado toques de “estratégia de desespero”, “ausência de tática” ou
“coração na ponta da chuteira”, foi para esse que vos escreve mudança tática
que deveria ter ocorrido desde os primeiros minutos de jogo).
Outra mudança com relação
ao 1º jogo é que as alterações estratégico-operacionais proporcionaram um maior
número de finalizações por parte da equipe do Chelsea FC quando comparadas ao jogo
na Espanha, com grande parte delas ocorrendo dentro da área penal (grande área)
– ao contrário da equipe do FC Barcelona que teve nesse 2º confronto a maioria
das finalizações fora da área penal.
Vejamos no campograma que
se segue, as regiões das finalizações:
Certamente muitas pessoas
(dos especialistas ao senso comum) dirão que houve “justiça” no resultado do
jogo, afinal classificou-se para a final da UEFA Champions League 08/09 a melhor
equipe; aquela que melhor jogou futebol nos dois confrontos da semi-finais.
Eu prefiro dizer mais uma
vez, que a equipe do FC Chelsea foi a equipe que controlou melhor os dois
jogos. Não venceu porque controlar não significa dominar, nem influenciar, e
portanto não garante vitória. Insisto; devemos tomar cuidado para não
adequarmos teorias e construtos científicos à conveniência dos nossos
argumentos quando deveríamos, pelo contrário, apoiarmos nossos argumentos aos
construtos e teorias científicas.
O que sei ao certo, é que
não existem verdades absolutas, e buscá-las pode ser um caminho, mas jamais um
desfecho. Então, prefiro ver a beleza do jogo não com os óculos do passado, mas
com aqueles que me permitam apreciá-lo, avançando a paradigmas que insistem em
permanecer fincados nesse mesmo caminho; porque o presente não foi ontem.
*a reprodução do texto só está autorizada legalmente, se mencionados nome do autor e fonte virtual.
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